perdi-me num momento qualquer quando virei a página de um livro, não sei dizer qual foi maior a dor - voltar a ver-te ou dizer-te que estou cansado. há mais de uma semana que vou definhando pelas paredes da casa, invento-te num gesto doméstico, murmuro o teu sorriso que tanto teimavas em esboçar.

tenho vontade de partir, não sei, para qualquer lugar. o lugar onde só exista mar, onde invariavelmente estarás a remendar o teu corpo. pensar-te, neste momento, seria enlouquecer, seria manter o eterno estado de embraguiez, onde, todas manhãs, ia descobrindo o teu lento balbuciar, entre a almofada e os lençóis, e as pálpebras abriam esse olhar nacarado que marcava o início de todos os dias.

o eterno odor desse quarto onde crescemos, faz-me viajar às noites de primavera em que adormecíamos no silêncio da paisagem. por vezes o cão ladrava e ouvíamos as ovelhas ao longe. mas estávamos a caminhar para o precipício - cada um para o seu. passaram tantos meses depois do nosso adeus, mas teimamos em não partir. pergunto hoje, partir para onde e teimar para quê?

talvez te encontre agora, no ciciar de um cigarro,
no copo de vinho quase vazio ou na página de um livro que não vou abrir. recolho-me mais um pouco nesta luz suave que vai invadindo o meu rosto. amo-te.





estou cansado do adeus que ainda não chegou, na vontade de partir no corpo do eterno viajante. são apenas murmúrios o que me deste em troca, mesmo que ainda tenhas balbuciado na palavra de um qualquer esquecimento. já não sei o que te dizer.

fico parado ao cair da noite, como se fosse o último dia. o dia de te ver novamente abraçada por essas vertigens que me falas, horas a fio. desejar o corpo, o corpo marinho, marulhado pela tua existência de sal. habitas esse lado que anoitece o dia, a memória de te perder invadiu-me nessa linha de mar que juntos ainda habitamos, ou teimamos em ainda habitar.

não sei que lado do olhar te posso dar ou deixar. quero agora mostrar-te a paisagem coberta pela intensa neblina marítima, aqui nestes campos que nos limitam o horizonte.